POR DENTRO DA LEAL MOREIRA

Um maestro singular

 

Um Maestro singular

Aos 37 anos o paraense Miguel Campos Neto, regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz, é referência no País quando o assunto é música clássica. E olha que o menino prodígio só se interessou de verdade pelo gênero depois de quatro anos de estudos.

                                                                                                 

Superticiosos dirão que foi coisa do destino. Os céticos acreditarão se tratar de coincidência. Miguel, apesar de não acreditar em crendices, prefere a primeira opção.  Entrar no conservatório Carlos Gomes para estudar piano, não foi algo decidido por ele. O interesse do então menino, surgiu ao passar em frente ao imponente prédio dentro de um ônibus. Diante da curiosidade infantil, a mãe o inscreveu nas aulas de música. A questão é que os primeiros quatro anos de estudo não foram nada divertidos! Para uma criança de 8 anos, mais uma atividade representava menos tempo para brincar. Só aos 12 anos, quando participou de um Festival no Paraná é que a música entranhou em sua vida. Lá, pode ver pela primeira vez uma orquestra sinfônica ao vivo, tocando a 5ª Sinfonia de Beethoven. “Foi uma revelação”, diz Miguel. 

 

Ao voltar da viagem, revirou a casa em busca de qualquer material sobre música erudita, mas só encontrou um vinil com o famoso “Bolero de Ravel” e uma fita k7 com duas sonatas de Beethoven. Numa época em que a internet ainda era restrita e não havia canais como o YouTube, garimpar discos e gravar fitas passou a ser um hobby, compartilhado com os colegas do conservatório. Aos 18, Miguel estava na primeira turma de bacharelado em Música, curso ofertado pela Fundação Carlos Gomes, em convênio com a Universidade do Estado do Pará (Uepa). Não demorou para ganhar uma bolsa de estudos na Universidade de Missouri, Estados Unidos.

Foram 13 anos de formação no exterior, trajetória coroada com a formação em regência pela conceituada Mannes College of Music, de Nova Iorque, onde Miguel fundou a Chelsea Symphony, orquestra de jovens músicos em início de carreira. De volta ao Brasil, depois de um breve período em Manaus, onde teve a inusitada experiência de conhecer pessoalmente o músico Roger Waters, do Pink Floyd, o maestro finalmente conseguiu fixar residência em Belém, como regente de três importantes orquestras: Orquestra Altino Pimenta, Orquestra Jovem Vale Música e Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, da qual é titular há dez anos.

 

Por conta de sua recente apresentação à frente da Orquestra Experimental de Repertório na Sala São Paulo, uma das mais importantes da América Latina, Miguel vem sendo apontado como um dos cinco melhores maestros do país. Ao recontar sua trajetória, ele frequentemente usa a palavra “destino”, mas que pode ser substituída por dedicação, persistência, disciplina e, principalmente, amor incondicional à música.

 

Sua família não é de músicos. Como surgiu seu interesse pela música?

A filosofia da minha mãe era a seguinte: é preciso dar o máximo de oportunidades às criançasentão aprendi um pouco de tudo: futebol, judô, natação, inglês. Um dia, no ônibus, vi aquele prédio branco, imponente e perguntei o que era. Até então nunca tinha ouvido falar a palavra “conservatório”. Minha mãe me inscreveu na musicalização e eu passei. Mas até os 12 anos, aquilo para mim era mais uma atividade, menos tempo para brincar.

 

Quando foi que deu o estalo?

Nessa mesma época, quando participei do Festival de Música de Londrina. Vi maestros, violonistas, clarinetistas, pessoas que viviam 24 horas de música. Muitos de malas prontas para  Nova Iorque, Moscou. Lembro que apresentaram a 5ª Sinfonia de Beethoven e ouvir pela primeira vez uma sinfônica, tocando com as trompas, os trombones, os instrumentos de cordas, o maestro regendo, foi uma revelação.

 

Em 1996, você fez bacharelado em música aqui em Belém, passou, mas logo foi para o exterior. Como foi essa experiência lá fora?

 

No início do curso, fui chamado para passar dois meses em Missouri, com uma bolsa de estudos, graças a um convênio com a Fundação Carlos Gomes. Cheguei lá para estudar violino, e toda terça e quinta-feira, era ensaio da orquestra da universidade e eu tocava nessa orquestra. Fiquei impressionado com a figura do maestro, Edward Dolbashian e pedi para ser ouvinte das aulas dele. O nível, o jeito que ensinava os alunos. Quando ele pegava a batuta, subia no pódio e, sem dizer uma palavra, sem ensaiar, apenas regendo, imediatamente a orquestra tocava melhor. Parecia mágica.

 

Ali despertou o interesse pela regência? Porque primeiro veio o mestrado...

Isso. Fiz mestrado em violino na Universidade do Novo México, mas lá organizei o primeiro concerto público que regi. E ao invés do Doutorado, optei por um teste no Mannes College of Music, um conservatório conceituadíssimo em Nova York. Estudei um ano de violino e comecei a observar o maestro, David Haeys, e repeti o que havia feito em Missouri: pedi para ser ouvinte. Fiz teste para regência e fui aprovado. Eram dezenas de alunos, uma menina da Itália, um rapaz de Israel, gente do mundo inteiro, e eu, o cara do Jurunas, (risos).

 

O que essa mudança representou?

Era outro mundo, o curso tinha um status. Éramos apenas quatro, porém, a pressão era maior, éramos os futuros maestros! Passei três anos em Nova Iorque e lá conheci um aluno de regência e propus fundar uma cooperativa orquestral que tocaria seis vezes por ano. Se você é um músico maestro, vai reger a orquestra; se é compositor, terá sua obra estreada pela orquestra; e se é solista, poderá tocar um solo. E assim criamos a Chelsea Symphony, hoje referência em NY.

 

 

Foi essa orquestra a do ‘Globo de Ouro’?

Sim. Nos Estados Unidos existe uma série de televisão chamada Mozart In The Jungle (traduzida no Brasil como Sinfonia Insana), mostra o cenário na musica clássica contemporânea em NY e o protagonista é o Gael Garcia Bernal. Os músicos da orquestra ‘fictícia’ são todos de verdade da Chelsea Symphony. Vejo as cenas e reconheço vários amigos meus. O Mozart levou a estatueta de Globo de Ouro de melhor série de comédia ou musical este ano.

 

Como foi seu retorno para o Brasil?  

Em 2007 recebi um convite para reger um concerto da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, como maestro convidado. Em 2008 fui chamado para ser o maestro assistente da Orquestra Amazonas Filarmônica, mas continuava indo à NY tocar na Chelsea, como maestro principal.   Em Belém, a professora Gloria Caputo me chamou para reger a orquestra Jovem Vale Musica.  No final de 2010, a UFPA abriu concurso para professor de regência e maestro da orquestra da universidade. Poucos meses depois, o maestro da OSTP pediu demissão. Então, já com três trabalhos em Belém, pedi demissão em Manaus e vim pra cá.

 

A história comRoger Waters do Pink Floyd é no mínimo curiosa. Você chegou a conhecê-lo pessoalmente. Como foi isso?

Eu estava em Manaus, como maestro assistente, quando recebi o repertório, e havia uma ópera chamada “Ça Ira”, de Roger Waters. Eu não tinha a mínima ideia de quem era, não tenho nenhum problema em dizer isso, pois nunca fui ligado à música pop. Como não encontrei a partitura, me disseram que era uma ópera nova, contemporânea, composta por um músico que era do Pink Floyd. Bom do Pink Floyd eu já tinha ouvido falar, muito. Mas o cara escreve ópera? Recebi a partitura, estudei, fiz os ensaios, tudo normal. No dia em que ele chegou, tive a dimensão da fama do Roger Waters, porque não deixaram nenhum turista entrar no Teatro Amazonas, cercaram o palco com um biombo, para ninguém ver, e nos momentos em que ele estava fora, eu via a tietagem. Um cara veio com uma guitarra e um pincel para ele assinar. E o fato de eu não conhecê-lo foi até melhor, porque o tratei sem tietagem, num nível de maturidade que ele queria.

 

Como você vê o atual cenário da música erudita no Pará?

Eu vejo um grande movimento sinfônico, e também de ópera porque temos a várias orquestras (do teatro, universidade, Vale, além das orquestras de igrejas), mas precisamos expandir esse movimento para o interior do Estado. Muitas cidades possuem total condição de iniciar projetos de orquestras, elas só precisam de instrumentos de cordas, porque são conhecidas pelas bandas que possuem instrumentos de sopros. No futuro, o Pará pode ser como São Paulo ou Alemanha: você anda pelo interior, e as vê suas orquestras sinfônicas. Existe interesse, público, capacidade e professores. Não é um sonho distante.


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