POR DENTRO DA LEAL MOREIRA

Rompendo Fronteiras

Em terra onde o futebol impera soberano no gosto popular, não há espaço para práticas esportivas que não estejam enraizadas na cultura brasileira. Será? Talvez não seja bem assim. Aqui e ali, esportes até então pouco mencionados no Brasil ganham espaço e adeptos – e começam a deixar de parecer coisa de um mundo tão, tão distante. Começa sempre de um jeito parecido. Alguém viu na TV, outro ouviu falar com um amigo, tem um parente que pratica... Aos poucos, os entusiastas acabam se encontrando. É desse jeito que desportos saem das competições internacionais transmitidas apenas pelos canais a cabo e passam a ser exercidos ali mesmo, no seu bairro, na praça mais próxima, na rua que passa atrás da sua casa. Em Belém não é diferente: atletas encaram a missão de treinar e apresentar as modalidades, essas ilustres desconhecidas, a cada vez mais interessados. Assim, o mundo esportivo cresce – e permanece em movimento.

De cara, os pormenores dos estilos causam estranhamento. Perigosos empurrões, força física versus velocidade, contato, equilíbrio, deslizamentos estratégicos sobre pranchas... Tudo isso faz parte das situações corriqueiras na vida de quem pratica esportes como Roller Derby, Rugby e Longboard. Você já ouviu falar em algum deles? A Revista Leal Moreira foi conhecer os praticantes, acompanhar os treinos e saber mais sobre essas modalidades em ascensão. Conheça-as você também.

Sobre rodas

Sabe aqueles patins da época dos nossos pais? Pois é, eles são um dos equipamentos necessários para praticar o Roller Derby. Um esporte de contato coletivo, lá dos idos anos 40 - época em que começou a se popularizar para além de seu país de origem, os Estados Unidos. A ideia, a princípio, era simples: basicamente, se tratava de uma corrida de resistência em círculos, que tinha o empurrão e a agressão como algo aceitável e necessário para tirar os adversários do caminho. Em 1970, por ser considerado um espetáculo teatral ultraviolento (e por vários outros motivos indiretos), ele foi perdendo o respeito e o público. Somente em 2001 é que o Roller Derby foi ressurgir com uma nova roupagem – e, principalmente, com regras mais sólidas contra a “selvageria”.

Aqui em Belém, o esporte chegou pelas mãos (e pés) da designer Amanda Monteiro. Foi ela quem deu a “patinada” inicial, criando sua liga – a “Vixens from Jungle Hell”. Mas o que é uma liga? Amanda explica: “é um grupo de pessoas que deseja organizar, gerenciar e jogar Roller Derby. As ligas não têm número mínimo nem máximo de pessoas, e é de dentro dela que são organizados os times”. O esporte não é de difícil compreensão. Adaptado da sua versão original para possibilitar o confronto entre equipes, ele é disputado por dois times de cinco jogadoras – sim, é um esporte praticado essencialmente por mulheres. Uma dessas jogadoras é a atacante, também chamada de jammer. As demais são consideradas bloqueadoras. O objetivo do jogo é a atacante passar pelas bloqueadoras, dar uma volta na quadra e retornar ao grupo. A cada volta efetuada, um ponto é marcado. Por isso, cabe às bloqueadoras impedir que a atacante do time adversário ultrapasse a marca – e abrir caminho para que a atacante do seu próprio time consiga ultrapassar. Soa bagunçado? Não é. “O jogo é baseado em regras e sempre deve ser acompanhado por juízes, para que essas regras sejam respeitadas”, destaca Amanda.

O formato do jogo é bem diferente dos mais populares, como os que envolvem bolas, por exemplo. Mas se tem uma coisa que chama a atenção de imediato no tal desporto, essa coisa é o visual. Sim, as jogadoras dos times primam por uma produção bem chamativa, combinando temas, ou se destacando com seu estilo pessoal – não raro, o esporte é visto, inadvertidamente, como entretenimento para o sexo oposto. Amanda não se incomoda. Ao contrário: vê o esporte como uma forma de empoderamento da mulher. “Por ser um ambiente predominantemente feminino, vemos as mulheres assumindo muitos papéis e sendo proativas, e isso é muito interessante”. E segue nomeando os méritos da prática: “também tem a ver com dedicação, persistência e realização pessoal, fruto do reconhecimento dos resultados. Você se empenha e consegue perceber muito bem o seu avanço sobre os patins”. Empenho, aliás, é palavra de ordem. As meninas treinam pesado, entre abdominais, flexões e outros exercícios de fortalecimento muscular. Tudo para encarar as trombadas e baques do intenso contato com as adversárias.

Por conta dos esbarrões comuns à modalidade, ainda é comum observar o Roller Derby com uma sobrancelha levantada. A ideia que se tem é que há muitos riscos na prática, por ser um esporte aparentemente violento. Amanda defende. “Claro que um jogo pode se tornar agressivo, como muitos esportes. E acidentes acontecem, por se tratar de um esporte sobre rodas. Mas se você treina respeitando seus limites e com todos os itens de proteção indicados, dificilmente irá sofrer um machucado”.

O esporte não tem restrição de idade, não demanda tipo físico específico nem habilidade especial. A única característica obrigatória é ter dedicação para aprender as regras do jogo – e, claro, a andar de patins. “Ficar longe da preguiça, ter disposição de treinar no final de semana e humildade. Não é preciso mais nada para uma aspirante a jogadora de Roller Derby ter sucesso na empreitada”, vaticina a líder do grupo.

Alto impacto

Se andar de patins não faz sua cabeça, o Rugby pode ser uma boa opção para você. Os pés ficam no chão – e o esporte até parece um bocado com aqueles já inseridos na nossa cultura. Só tem um detalhe: não ver problema em colidir – literalmente! – com outras pessoas é um dos principais requisitos para quem quer jogar. A modalidade coletiva é de intenso contato físico, e a princípio foi tida como uma variação do futebol. A origem mais difundida é de que este teria sido criado na Inglaterra em 1823. Reza a lenda que a invenção foi por acaso: um homem chamado William Webb Ellis teria apanhado a bola com as mãos durante um jogo de futebol, e corrido com ela até a linha de fundo do time adversário. É a conquista do território do oponente, inclusive, o grande objetivo. A ideia é marcar o “try” – cruzar a linha de fundo e tocar a bola no chão –, sempre passando a bola com as mãos para os membros do time que estiverem atrás. Para lançar a bola para frente, só se for com os pés. Para jogar, é preciso estar com o preparo físico em dia, e ter muita velocidade em campo.

Em terras paraenses, a modalidade tem sua liga formada – e times masculinos e femininos.  O Acemira Rugby Belém escolheu a subdivisão olímpica do esporte, chamada “seven a side” (sete jogadores por equipe). Luísa Matos, uma das representantes do time feminino, conta como foi o início. “O time foi criado por amantes deste esporte, pessoas que viam os jogos na televisão, estudavam suas regras, mas não tinham a oportunidade de jogar”. O que era uma brincadeira passou a envolver profissionais, e foi crescendo com o tempo. “Era uma diversão, a princípio. Aí começaram a chegar pessoas experientes, vindas de outros times. Foi o caso do Caio Maximino, nosso ex-técnico; do Guilherme Santana, que jogou nos Sertões, respeitada equipe de Rugby; e Gonzalo Teixeira, que era jogador no Uruguai e hoje é nosso treinador. As coisas foram ficando cada vez mais sérias”.

Mas tem espaço para mulheres em um esporte como esse? Tem. “O time feminino ainda está se consolidando. Muitas pessoas ainda desconhecem o Rugby, e por ser um esporte de contato, elas se assustam um pouco no início. Mas ajuda bastante o fato de que as pessoas que conhecem o jogo se apaixonam, querem fazer parte dele, procuram aprender. Vira um vício”, empolga-se Luísa.

Engana-se quem pensa que a equipe paraense de Rugby ainda está engatinhando. Além de já terem participado de vários campeonatos, os times masculino e feminino do Acemira Rugby Belém já colecionam prêmios – e se preparam para um novo circuito interestadual, marcado para acontecer em Belém no dia 16 de novembro. Irão participar da disputa, além do Acemira, times de Teresina e São Luís. Para o evento, ainda virão como convidados especiais os Centuriões (CE) e o Grua (AM), equipes celebradas dentro desse universo. É provável que a programação conte também com a presença de atletas da seleção brasileira. Para Luísa, o objetivo é um só: visibilidade. “O intuito é mostrar que os times do Norte e Nordeste são organizados e que têm total capacidade de participação em campeonatos maiores, como o campeonato brasileiro de ‘seven a side’”.

Surf no asfalto

Agora se você se identifica mesmo é com esportes individuais com uma pegada radical, o Longboard foi feito para você. O esporte nasceu nos Estados Unidos, mais especificamente na Califórnia. Em tempos de maré baixa e seca, a única possibilidade de continuar praticando o surfe seria treinando em terra firme. Por volta dos anos 70, a ideia foi ficando cada vez mais popular. Com o crescimento do público apreciador, também surgiram vários campeonatos e subcategorias. A categoria que mais utiliza o Longboard se chama “Downhill Slide”. Nela, os praticantes descem ladeiras e fazem manobras arriscadas em que o skate deslize. Para isso, eles podem enfatizar qualquer parte do equipamento, e ainda apostam em explorar bastante a extensão de madeira do “shape” – prancha onde o adepto da modalidade se equilibra.

Sociólogo e consultor da indústria farmacêutica, José Ohana pratica o esporte desde 2006 e é atleta na categoria Skatista Master (para membros acima de 36 anos). Ele ganhou recentemente a segunda posição em um campeonato na cidade de São Luís, no Maranhão. E garante, inclusive, que existem outros atletas paraenses com boa representatividade fora do estado. “Não sou só eu. Tem caras muito talentosos aqui, que estão indo lá fora e trazendo medalhas para Belém, fortalecendo a cultura de Longboard na cidade”. O esporte ainda esbarra na falta de apoio: não há uma instituição que patrocine ou organize eventos voltados para o estilo em Belém. Embora haja associações de skate e mesmo uma federação estadual coletiva, não existe nada voltado exclusivamente para a prática do Longboard. “Os eventos que aconteceram em Belém até hoje foram realizados por grupo de parceiros interessados em mobilizar a galera do ‘skatão’, como costumamos chamar. É assim que tem funcionado, por meio da união das forças”, conta.

A estimativa é que há pelo menos uma centena de pessoas praticando o esporte com intuito de se aperfeiçoar para competir – isso sem contar com os muitos adeptos da modalidade pelo puro entretenimento. A procura, segundo Ohana, é muito grande. “Tem mais de 100 atletas com aspirações profissionais em Belém, e mais um monte no interior do estado. O Longboard está crescendo em todo o mudo, e não seria diferente aqui no Pará. Antes tínhamos relatos de alguém andando aqui e acolá, de forma isolada. De 2006 pra cá, estamos ganhando cada vez mais força”.

Como se não bastassem as dificuldades naturais que uma atividade importada enfrenta para ganhar espaço em uma cultura da qual não faz parte, os praticantes de Belém encontram mais um pequeno problema para treinar: o aspecto plano da cidade. Para o estilo mais praticado, o “Downhill”, é essencial que haja descidas – o que não é muito comum no relevo da capital. Mesmo assim, os amantes do esporte não desistem. “Não tem espaço pra Downhill. Temos pouquíssimas ladeiras, então tiramos leite de pedra e treinamos nas ruas comuns mesmo”. Todas as dores em prol da fomentação do estilo uniram cada vez mais os entusiastas. “Criamos um grupo no facebook onde marcamos reunião, ‘rolês’, viagens, discutimos, brigamos, nos amamos... Inclusive conversamos com interessados, iniciantes, damos dicas. Tudo em função do Longboard”.

A melhor coisa de andar de “Long” - como eles costumam dizer – é que ele pode ser praticado por qualquer pessoa. Não existe regra quanto à idade, ao peso ou qualquer outro limitador. Basta ter perseverança. José é um exemplo nesse sentido. “Eu ando de skate desde pequeno, quando ainda eram tempos difíceis. Passei muito tempo afastado do esporte, e em 2006 decidi voltar a andar. A partir daí, nunca mais parei. Passei a ir a eventos nacionais pra competir e levar o nome de Belém para ‘fora’”, ele relata. E finaliza: “Acredito que qualquer pessoa pode andar de skate. Só precisa ter muita vontade. E coragem!”.


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