POR DENTRO DA LEAL MOREIRA

AMORES, AMORES, NEGÓCIOS À PARTE.

Eu vivo do desamor, pois sou advogada. Parece piada, mas eu posso explicar. Eu sou especialista na área de Direito de Família e recebo honorários fazendo divórcios ou executando pensões alimentícias. É duro, mas essa é a realidade: muitos amores resultam em litígio e pais que não alimentam seus filhos. Verdades cruéis? Melhor tirar as crianças da sala.

Aprendi muito com a dor de cada cliente que me procura ao fim de 10, 20 ou 40 anos de relação. Escrevi um romance usando todo esse material coletado dos escombros de casamentos desfeitos, mas também já realizei alguns divórcios consensuais, seguidos de um “after” entre as partes, num boteco perto do fórum, no melhor estilo “enfim, só”. 

Eis que, após tantos anos servindo de instrumento para “desunir os casais”, ano passado eu fui convidada para celebrar o casamento de uma prima querida em Portugal. Uma excelente oportunidade para limpar meu currículo, pois pela primeira vez na vida eu “casaria” duas pessoas, ao invés de divorciá-las. Topei!

Lembro da angústia que eu senti às vésperas do casamento, já em Portugal, sem saber o que eu falaria no “altar”. Relia o email dos noivos com algumas sugestões, fazia o retrospecto daquela linda relação que eu acompanhei de perto, mas a inspiração não vinha. Sentei no terraço com uma taça de vinho nas mãos em busca de “um legítimo discurso sobre o amor”, e enquanto contemplava os poéticos telhados lisboetas ao pôr-do-sol, ele chegou, puxou a cadeira e sentou ao meu lado.

Ele, o Amor que conheci anos antes, logo quando retornei da primeira viagem que fiz a Paris, obcecada com o sonho de lá passar uma temporada. Eu, uma paraense apaixonada pela cultura francesa e ele, um “carioca francês” viciado em açaí, o original, sem guaraná! Dizem que os apetites têm faro. Assim, estamos nos amando desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Amar é gerúndio.

Só de olhar pro Amor sentando ao meu lado me veio a paz. Ele tem mãos imensas que misteriosamente dedilham o violão com delicadeza. Eu sorrio com o seu senso de humor francês e sua afetividade brasileira. Eu adoro o fato dele ter sido criado desde os dois anos de idade no país de Serge Gainsbourg e Simone de Beauvoir, portanto, ele ama demais as mulheres.

Certa vez, ele levantou no meio da noite e foi na cozinha. Voltou com um copo d’água e deixou ao meu lado, na cabeceira da cama. Ele achou que eu estivesse dormindo e não imagina que naquele momento eu despertei para o real significado do amor. O amor mata a sua sede e a sede do outro. O amor hidrata.

Ele me ensinou a dividir metade da cama e me ensina a falar francês. Ele ama a minha independência e cuida do meu lado frágil. Ele vibra com minhas vitórias e tira sarro dos meus piores defeitos. Ele me apresentou a música de Jacques Dutronc, o melhor croissant de Paris e o samba mais genuíno na zona norte do Rio de Janeiro. Ele me levou ao Teatro Oficina, do seu tio Zé Celso Martinez Corrêa. Ele é um poço infinito. O amor é uma queda livre. 

“O coração, se pudesse pensar, pararia”, disse Fernando Pessoa. Então, parei de racionalizar o amor e passei a senti-lo. Foi quando o discurso do casamento da minha prima fluiu com leveza e emoção. Tão simples quanto verdadeiro. E, assim, logo após a cerimônia que celebrei, a noiva me abraçou apertado e disse: “Foi exatamente do jeito que sonhei. Obrigada”.

 Nunca deixe de celebrar o amor. O seu e dos outros. Também não abra mão do inalienável e impenhorável direito de amar e ser amado. E mais do que isso, não basta só amar, mas gostar muito de amar aquela pessoa. Eu amo amar o meu Amor. Você ama amar o seu? Ou se pudesse não o amaria? Pense nisso. E caso decida pelo fim, me procure. Eu posso parcelar os meus honorários.

 

Leila Loureiro

advogada, professora universitária e escritora

@leilaloureiro


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