Outro dia me peguei pensando no velho aeroporto de Belém, um local tão gravado na memória que uma simples música, um simples clima, é capaz de reviver com força enorme.
Antes de os dias serem tão modernos, o único local que funcionava 24 horas em Belém, fora os locais de esbórnia, era o velho aeroporto de Belém. Meu pai nos levava lá com frequência em busca de seus jornais, o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo ou o Estadão, que desciam direto dos aviões para a apertada banca de revista que havia no segundo andar. Enquanto meu pai se deliciava com as notícias frescas de outras bandas, nós, os três irmãos inquietos, nos divertíamos escolhendo revistinhas da Mônica ou Pato Donald, sempre três para cada, sempre trocadas e relidas à exaustão, pois o dinheiro era curto.
O velho aeroporto era muito engraçado aos olhos de uma criança. As lojas eram feitas em blocos octogonais, em estruturas de alumínio e vidro, acho eu. Lá havia uma loja de artesanato, outra de produtos regionais; acho que havia uma de roupas e de lembrancinhas diversas, além da própria banca de revista. Mas, sobretudo, para nossa alegria, havia uma área com poucos fliperamas. No tempo em que nem tínhamos videogame em nossas salas, eram aqueles mondrongos gigantes que faziam nossa diversão, além de fichas e mais fichas perdidas – suado dinheirinho de nossos pais que escorria pela boca gulosa da máquina onde éramos lutadores, exploradores e pilotos de Fórmula 1.
De quebra, com o jornal garantido, as revistinhas na sacola e o jogo perdido, sentávamos em algum lugar para comer uns hambúrgueres e tomar milk-shake, tudo de maior novidade que havia no mundo.
O velho aeroporto não tinha ar-condicionado, não era essa beleza que é hoje, cheio de mármores e luzes, mas se transformava num mundo de descobertas aos irmãos curiosos que vasculhavam as bordas das lojas angulosas em busca de coisas diferentes.
Hoje, mal se vê quem chega e quem parte, mal se vê um avião. Na época do velho aeroporto era diferente. Éramos colocados sentados no grande balcão azul de onde se via todo o pátio de aeronaves, e podíamos ver todo o trabalho de colocação das escadas de metal, e podíamos ver os passageiros saindo, um a um, com os olhos apertados procurando a família numerosa que se apinhava buscando matar a saudade. A gente podia gritar e mandar beijo, e tudo aquilo partia junto com os aviões da Vasp, Varig e TransBrasil que rasgavam os céus desse Norte. Nessas armações de crianças, sentado no balcão do segundo andar, segurado pelas voltas dos braços do pai, perdi a conta de quantas vezes deixei cair um sapato, um brinquedo, e então todo mundo gritava pedindo para alguém mandar de volta o objeto perdido, que vinha tascado na maior força, geralmente por um funcionário do local ou mesmo um viajante de menor correria.
O velho aeroporto era nosso shopping, nossa praça de alimentação e nosso parquinho eletrônico, hoje tudo tão comum nos shoppings da vida. Lá a gente via o mundo chegar e partir, lá o dia não parava e brincávamos até cansar, e comíamos até o botão dizer chegar, e já no fim da noite voltávamos para casa, os três sonolentos no banco de trás do velho corcel verde.
Pelas ruas de Val-de-Cães, com o clima frio das matas ao redor, o bairro ainda ermo e sem grandes construções, singrávamos pela Júlio Cesar ainda com duas pistas somente, até que adormecíamos no meio do caminho, moleque por cima de moleque embalados pelas músicas de Good Times das rádios, o som que, até hoje, de somente tocar, faz voltar todo o bom tempo do velho aeroporto.
Fernando Gurjão Sampaio
advogado e escritor
@tantotupiassu